domingo, 4 de janeiro de 2009

Nós no 3º Festival de Cinema Brasileiro em Lisboa (de 7 a 9 de novembro de 2008)

(Escrito em início de dezembro de 2008)

Uma rápida inserção por este blogue que está mais ou menos 1 mês sem atualizações. A concessão foi feita, e eu, Wagner (para quem não sabe, o companheiro de Noemi para generalizar), assumo o comando brevemente para lhes falar o que se passou conosco ao início de novembro de 2008 quando estivemos na 3ª Mostra de Cinema Brasileiro aqui em Lisboa.

O evento ocorreu no Cinema São Jorge, um amplo espaço cultural localizado em área destaca de Lisboa. O cinema fica na Avenida da Liberdade, a caminho tanto da (rotatória ou, como dizem os lusos, rotunda da) Marquês de Pombal como da Praça dos Restauradores: aquele local, considerado o centro financeiro da cidade; este, parte do centro mais antigo de Lisboa.

Soubemos do evento por um folheto informativo em forma de cartão-postal. Isto é muito comum aqui, especialmente para os que freqüentam ambientes de lazer com retoques culturais, que cultuem a permanência daqueles que realmente apreciam alguma arte ou que tragam mais pessoas em direção à sua arte-alvo. Como Noemi e eu vamos muito ao cinema -- final de semana, é certo! --, e o cinema a que vamos é um cinema que não apenas se preocupa com o seu próprio cofre, não raramente nos confrontamos com papéis informativos como o da imagem abaixo em seus frente e verso, respectivamente.



Sabendo do evento, não titubeamos muito em ir até ele. Eu, que gosto muito de cinema, não tive trabalho para convencer Noemi também. E vice-versa. E, assim, fomos.

Como vocês podem identificar no folheto, a iniciativa percorreu os dias 7, 8 e 9 de novembro de 2008 apesar de haver *muito* a exibir. Achamos estranho, somente teríamos 3 dias (sexta, sábado e domingo) para ver, além de alguns documentários promissores, mais alguns longa-metragens sobre os quais sabíamos há algum tempo e que nos pareciam bons. Aliás, 3 dias em teoria, já que geralmente ficamos até 21 horas na universidade na sexta-feira; dois dias disponíveis pois. Talvez, a organização do evento, que contava com uma recheada lista de apoios de toda natureza (vejam na segunda das duas imagens acima), pudesse deixar uma semana inteira, abrangendo dois finais de semanas consecutivos, para o público acompanhar a caravana de filmes em apenso. Não o foi. Paciência.

Dos filmes em cartaz, acompanhamos três (eram seis no total). Dois no segundo dia, hum no último.

No segundo dia, na ordem, vimos «A Casa do Tom» (Ana Jobim) e «Os Desafinados» (Walter Lima Jr.).

O primeiro é um documentário com direção da viúva de Tom Jobim (1927 -- 1994), fruto de apanhados fotográficos, videográficos e pessoais de uma convivência de mais de 10 anos entre ambos. O mote, como nos sugere o título, é retratar o universo particular do músico (compositor, instrumentista e maestro) e poeta -- e muito mais -- Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. O propósito da casa, referência a uma habitação que a família construiu em local privilegiado na cidade do Rio de Janeiro (salvo engano, em um trecho de um morro, vizinha ao Jardim Botânico), serve de guia para o andamento do filme e traz consigo o cuidado especial de centralizar o enfoque no homem e o seu pensamento.

A sua visão existencialista, sua filosofia, sua reflexão sobre os episódios cotidianos (locais, nacionais e mundiais), sua preocupação ambiental; sua origem cabocla e o seu apego respeitoso aos apelos da terra e aos que estão fortemente ligados à terra e aos desígnios desta (a conversa de Tom com um mateiro -- se a memória não me falha, este mateiro era o seu vizinho em uma
localidade na qual a família de Tom mantinha um rancho -- em cuja comunicação Tom foi predominantemente ouvinte, é esclarecedora sobre este aspecto); suas manias, sua família, seus amigos (companheiros musicais muitas vezes), suas histórias (e estórias), suas iniciativas (a moradia em Nova Iorque -- o que nos remete mais uma vez à idéia de casa -- e a Banda Nova, outro signo para casa, visto que os integrantes deste grupo encarnavam uma forte relação familiar e doméstica com Tom, inclusive a própria Ana Jobim fez parte do rol de «backing vocals» da Banda Nova), suas brincadeiras, seu legado. E um sentimento grande de respeito por quem sempre se dignificou em não somente sustentar um sobrenome de seus gentílicos. Sem nenhuma explicação, posso lhes dizer que pude constatar (acho que Noemi também) que Tom soube representar e ser muito bem um brasileiro. Senti-me honrado por ter a minha origem ao sair da sessão.

Para quem não conhece a Banda Nova, lhes deixo a referência para um vídeo de «Passarim», composição executada pelo grupo, do qual fez parte também Danilo Caymmi (flauta transversa e voz):


Para completar a nossa passagem pelo segundo dia (primeiro nosso) no festival, assistmos a «Os Desafinados» (Walter Lima Jr.). Digamos que o filme seja uma espécie de documentário construído em cima de uma narrativa canônica: com personagens e seus mundos, espaço e tempo definidos, evoluções e peripécias e desfecho. Segundo o próprio diretor, em uma mesa redonda após a exibição da película (com a presença também brasileira de Ângelo Paes Leme, ator que faz
uma personagem no filme), Os Desafinados é uma homenagem ao período pelo qual o filme passa, do qual o próprio diretor é contemporâneo, e suas memórias deixadas. É uma homenagem àqueles que viveram este período. É uma homenagem ao movimento e à estética da Bossa Nova (que completou 50 anos neste ano de 2008), bem como aos que deram vida a ela e aos que dão vida a ela até hoje. Uma boa pedida para quem se interessa pelo momento histórico no qual a Bossa Nova surgiu, pela estética artística em si e ou por artistas que fizeram (fazem) parte da mesma.

Infelizmente, não pudemos ficar mais para ver «Caixa Dois» (Bruno Barreto), que parecia ser bem divertido segundo a sinopse, porque já era tarde. Retornamos ao Cinema S. Jorge no dia seguinte, domingo, último dia de evento, onde presenciamos o documentário «Cartola» (Lírio Ferreira e Hilton Lacerda).

Cartola (Angenor de Oliveira, 1908 -- 1980) nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e fez parte da considerada velha guarda de sambistas da Mangueira, da qual foi o seu fundador (inclusive, responsável pela escolha das cores verde e rosa da escola e pelo seu nome segundo consta no documentário) e em cujo morro viveu durante toda a sua vida. O filme passa por todas as fases conhecidas da vida de Cartola. Do seu surgimento como autor de diversos sambas (estima-se na
casa das centenas de composições) desde jovem (época em que se data, inclusive, o surgimento do GRES Estação Primeira de Mangueira, em 1928), da sua vida sempre à margem do sucesso (embora já fosse reconhecido como magistral pelos seus pares e por alguns outros fora do epicentro do samba carioca ao passo que trabalhava, à altura, como pedreiro e lavador de carros
por exemplo), da sua vadiagem (que representa a excelência da malandragem, dos tempos românticos da malandragem); fala da relação samba e morro, dos ritos e rituais que permeiam o nascedouro dos sambas e do samba como expressão do pensamento humano e filosófico oriundo do morro; conta dos contemporâneos companheiros de Cartola (sambistas como Carlos Cachaça, Candeia, Nélson Sargento, dentre outros), conta de Dona Zica, companheira de Cartola e com quem Cartola viveu, salvo engano, as suas últimas duas décadas de vida. Trata-se de uma ode a um proeminente representante da Arte (Musical e Popular) Brasileira.

Tal como no primeiro dia em que estivemos no evento, não conseguimos ver todas as atrações. Como havia outras coisas a fazer e um cansaço dominical, deixamos de ver «A Via Láctea» (Lina Chamie) e «Nome Próprio» (Murillo Sales, com presença da atriz Leandra Leal, filme que tínhamos pretendido ver, diga-se). Se o evento fosse semanal...

Espero que todos tenham chegado vivos até este final. A nota foi longa pela preocupação em descrever da melhor maneira possível agora as impressões originadas há 1 mês. Impressões particulares, claro. Espero que lhes sirvam em algo.

Deixo-lhes um forte abraço. A muitos, muitas saudades.

Até a próxima!